Cem anos! É o meu tempo de existência entre os séculos! Menina ainda, me vejo sentada sob o lume do lampião na casa da Madrinha Vicentina, junto com a gurizada toda escutando as histórias que minha mãe, a negra Paulina, contava sobre a sua avó, a senzala, os amores e as separações! Revia o tremor dos seus lábios carnudos, as lágrimas que teimosamente de vez em quando rolavam pelo seu rosto de maçãs largas e fronte altiva, parecia uma princesa. Era assim que via minha mãe. Forte, corajosa e doce como um anjo, infelizmente a tivemos por tão pouco tempo! Aos 22 anos sentí o peso de ser uma negra orfã e pobre. E desde então eu e minha irmã, Aide iniciamos a solitária caminhada da vida, e hoje, já curvada pelos anos ainda choro, na escuridão da noite, o choro de saudades da minha mãezinha, chamo ela baixinho para vir ficar comigo, mas ela não vem... Subitamente uma mão suavemente toca meu rosto, chama meu nome e me canta canções de ninar. Não sei se é minha mãe, mas sei que hoje essa é a minha nova mãezinha, branca de olhos azuis que eu segurei, amei e cuidei quando menina. Minha menina! Ela acaba de me embalar, coberta com lençóis e acolchoados macios cor de rosa, oramos juntas e pedimos perdão e perdoamos àquele que nos ofenderam, como Jesus ensinou. Mas Jesus esqueceu de ensinar a não ter saudades e nem de ter medo de ficarmos sozinhos! No meu aniversario, não quero festa, todos os dias que vivo já são presentes de Deus, quero que não acabe, enquanto ainda aqui estiver, a coisa mais importante que hoje tenho: o tempo diário que recebo de carinho cuidado e atenção. O bom dia! O café cheiroso na badeja com biscoito, o banho diário, as sessões de acupuntura, e inúmeros outros mimos acompanhados de expressões de amor e carinho é o que me mantêm presa à vida. Os velhos, sabe, só desejam da vida o amor, um pouco do tempo daqueles que um dia foram por eles tão amados. Hoje começo um novo século e igual à criança perdida quero pegar na sua mão para começar confiante esta nova caminhada. Me leva contigo!
Nair Silva
PS: quinta-feira venha apagar,comigo,as minhas 100 velinhas! As 18 horas.
